• Tédio

  • No Mundo da Lua ’85

Gravado durante o Rock in Rio em janeiro de 1985. O Biquini era a primeira banda de rock a entrar na Polygram depois de muito tempo. Era meio heresia estarmos ali numa gravadora que tinha Chico, Caetano, Maria Bethania, Milton, em suma,a nata da MPB, enquanto nós atacávamos de “Tédio”. Até por isso, gravar uma faixa nos estúdios da Polygram não era tarefa das mais fáceis. Tínhamos de convencer os técnicos de que o que eles faziam nos discos destas estrelas da música brasileira, infelizmente não servia para nossos propósitos, de que queríamos um som de bateria diferente, que a voz não deveria sobressair aos instrumentos na mixagem…Chegamos ao cúmulo de ouvir uma conversa de um técnico com outro dizendo que eles podiam nos gravar com qualidade inferior: “é rock mesmo…” – explicava. Mesmo assim, conseguimos gravar bem dentro do que foi possível na época. A presença de Herbert Vianna tocando guitarras nas duas faixas foi imprescindível. Afinal, ainda não tínhamos um guitarrista e o grupo era apenas um quarteto. Mas por muito pouco tempo.

Produção Artística: Carlos Beni – Produtor Associado: Herbert Vianna – Arranjos: Biquini Cavadão e Carlos Beni – Técnico de Gravação: Ary Carvalhaes, Marcio e Carlos Beni – Auxiliar de Gravação: Manoel – Corte: Américo – Fotos: Maurício Valladares – Capa: Ricardo Leite – Coordenação Gráfica: Jorge Vianna – Gravado nos Estúdios da POLYGRAM – Ri

Tédio (compacto)
por Ana Lúcia Novaes
O primeiro exemplar da segunda geração do novo rock no Brasil atende pelo nome BIQUINI CAVADÃO.

O grupo é formado por um quarteto de rapazes que por trás de seus surrados paletos escuros, escondem rostos juvenis, quase imberbes. Alvaro ( bateria ), Bruno (vocal), Sheik (baixo) e Miguel (teclados), assinam coletivamente TÉDIO, carro chefe do compacto de estréia do grupo que está chegando nas lojas neste mês de abril com participação da guitarra especial de Herbert ‘Paralamas’ Vianna.

A originalidade é uma característica forte do grupo. Ao contrário dos músicos da maioria das bandas de rock inglesas, os integrantes do Biquini Cavadão não tem uma sólida formação musical. Alvaro, Bruno,Sheik e Miguel nunca pensaram em sobreviver de música. A música fazia parte de suas vidas por prazer e distração. Alvaro é poeta por vocação, mas sempre gostou de batucar na cabeça dos amigos. Como ouvinte, esteve sempre ligado na MPB; Bruno, afinado desde criancinha, não ouvia os Beatles nem os Rolling Stones. Depois de uma viagem à Inglaterra, voltou curtindo a vanguarda do rock inglês e alemão. Cursa a faculdade de Engenharia Eletrônica por opção. Miguel, até uns poucos anos atrás só escutava música clássica. Seu band leader predileto continua a ser Chopin. A exemplo do mestre, estuda piano . É estudante de medicina por amor a profissão; Sheik por influência familiar, cresceu ouvindo mais mpb do que rock. Passou a tocar baixo por curtição e abandonou a faculdade de física pelo motivo inverso.

Outra característica que acentua a originalidade do grupo é a de já ter fama e fãs antes de entrar no chamado circuito comercial. A banda surgiu em 83 nos famosos saraus – “uma espécie de festival sem prêmios ” – do Colégio São Vicente, berço esplêndido da juventude intelectualizada da zona sul carioca. Na época, a crítica ouvia embasbacada o estouro mundial da música DA DA DA do Trio alemão. Arregimentados pelo vocalista Bruno, colegas.se reuniram para um “projeto de ocasião”.

Criaram uma versão hilária para DA DA DA, acrescida do.slogan “NUM COLÉGIO LIBERAL, TEM CENSURA NO JORNAL” , crítica mordaz.aos responsáveis pela publicação do colégio. Arrancaram aplausos e pedidos de bis da platéia nesta primeira exibição publica. Mesmo com inesperado sucesso – “demos vários autógrafos no dia seguinte” – o grupo, ainda sem nome, não pretendia nada além de criar novos números, para se apresentar nos subsequentes saraus. Assim nasceu a versão rock de um hit caipira e a recriação de uma música desconhecida do Kid Abelha já ligado aos rapazes da banda por questões ” amorosas familiares “, assim como Herbert Vianna, quem aliás apadrinhou o grupo, batizando-o BIQUINI CAVADÃO. Com este vasto repertório de três músicas, a banda sofreu suá primeira dissidência interna. 0 estilo de convivência democrática adotado pelo grupo na ocasião com 8 elementos levou alguns a perder a paciência e o rumo. Numa noite só sairam dois – recorda Bruno. Restou a formação atual menos o Alvaro. Todos sabiam que ele gostava de batucar e o fazia na cabeça ou nas costas de quem estivesse na frente. Miguel lembrou-se de chama-lo de volta na certeza de que ele toparia ” trocar cabeças por tambores “.

Início de 84. Vencida a prova de paciência – “ingrediente tão necessário quanto talento individual’, novas perspectivas . Definido definitivamente o nome e a formação atual, Biquini Cavadão quis pular o muro do ‘São Vicente para tocar em outros palcos colegiais mas com o compromisso de só se exibirem daqui pra frente, com músicas novas criadas coletivamente pela banda. Manteriam o lado teatral das apresentações e abraçariam o rock tecno-pop que, dentre os estilos do rock internacional , é o que mais se ajusta ao figurino do grupo.

A confirmação de um novo sarau fez surgir as pressas a música TÉDIO. Música e letra já existiam enquanto projeto, mas corriam paralelas Quis o destino, junta-las. A música TÉDIO é anterior ao momento de esperança e otimismo instada no país com a inauguração oficial da Nova República. Diz Sheik que a inspiração nasceu numa aula de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do qual é um ex-frequentador:
– a aula daquela professora baixinha não gosto nem de lembrar …

Independente da situação atual do pais – argumenta Bruno – muita gente se sente nessa situação. Poderia ser colocado como uma situação que todo jovem de cidade grande enfrenta. Tédio é a não mudança das notícias dos jornais , é virar o dual do rádio e ouvir sempre as mesmas coisa, é a falta de criatividade geral, todo mundo reclamando de tudo , mas poucos pensando efetivamente em mudar – arremata Álvaro.

Por intermédio de Beni (ex-baterista do Kid Abelha) e incentivados por Herbert Vianna, Sheik, Alvaro, Miguel e Bruno se sentiram encorajados a gravar a fita demo. Quando o Beni chegou com a noticia de que eles iam gravar na Sonoviso, o susto foi geral:
– JÁAAAAAA … ?

0 caminho foi curto para quem não pensava em seguir carreira profissional. A gente saiu do colégio – conta Bruno – e foi direto para um estúdio de 8 canais. Com a fita demo pronta, TÉDIO entrou na’ programação da Rádio Fluminense. A resposta do público foi surpreendente. Num instante TÉDIO se transformou num hit da ” Maldita “. De lá, por via expressa o grupo chegou a Polygram . Assinou contrato com a gravadora neste abril. Escolheu o local que lhes pareceu adequado àquela tarde tórrida de: a praia. Em respeito a.solenidade do ato, apesar da temperatura e do local, Alvaro, Sheik , Bruno e Miguel compareceram formalmente vestidos, para espanto dos executivos da gravadora que compareceram informalmente vestidos.

0 rock – para os rapazes da banda – não foi uma escolha política Basearam a escolha apenas no gosto musical. Eles não temem o “excesso” de rock do panorama atual da música brasileira.

– O que enche o saco – afirmam em coro – é a cópia, não o original. São muitos grupos correndo atrás de fórmulas já testadas com sucesso.

“Acusam o rock de repetitivo”- polemiza Álvaro. Sem ‘querer polemizar ele pergunta :
– Tem coisa mais repetitiva do que escola de samba ? Nem por isso a qualidade do samba está em questão.

Como se vê, as história das bandas de rock nem sempre se repete. pelo menos no Brasil.

Ana Lúcia Novaes
abril/1985